28
dezembro

Deu no Jornal do Commercio


Arnaldo Xavier: dono da Rota do Mar é boa-praça e visionário

 

Empresário diz que vai voltar a exportar e criar um museu para comemorar os 20 anos de sua empresa

 

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Fotos: JC Imagem, Léo Caldas e Billu Téteu.

 

Um calo no dedo médio da mão direita. Sempre que precisa orientar os novatos sobre a posição correta de manejar a máquina de costura, Arnaldo Xavier exalta sua experiência no ofício e mostra a pequena área endurecida na pele, herança de mais de três décadas confeccionado roupas em Santa Cruz do Capibaribe, Agreste Setentrional pernambucano.

 

Com 49 anos, jeitão de surfista e mansidão típica daqueles que nascem no interior, Arnaldo prepara as ações que marcarão os 20 anos de sua empresa, em 2016. Aproveitando o câmbio favorável, voltará a exportar; criará um museu da máquina de costura; e lançará um livro contando a trajetória empreendedora do grupo.

 

A Rota do Mar forma um complexo industrial e comercial que emprega 800 pessoas (direta e indiretamente), fatura R$ 40 milhões por ano e fica encravado numa região seca, com 19 municípios. Santa Cruz tem um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH, que mede saúde, renda e educação) de 0,648. Considerada média, a taxa é a 25ª melhor entre a dos 185 municípios de Pernambuco (contando Fernando de Noronha). Os números são do Atlas de Desenvolvimento Humano realizado pelo Programa das Nações Unidas (Pnud) e Ipea. O grande problema da cidade é a falta d’água. Em Santa Cruz, as pessoas convivem, atualmente, com um regime de racionamento de um dia com água e 20 dias sem.

 

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Enquanto a seca castiga, o mercado de trabalho segue firme. Mesmo durante a crise atual, quase não há desempregados nos municípios que vivem de fazer roupas. Só em Santa Cruz, são mais de 10 mil unidades produtoras de confecções que dão trabalho a quase 80 mil pessoas. A Rota do Mar é joia da coroa do Agreste e principal indústria de confecções de Pernambuco. Uma das maiores do Brasil. Sua estratégia: custo x benefício. A empresa vende produtos no estilo surf, esporte e street wear de boa qualidade para públicos B, C e D com preços bem abaixo dos de grifes famosas, como a Seaway, Billabong e Quiksilver.

 

Arnaldo Xavier Alves da Rocha, chamado por muitos apenas de Naldo, é o mais velho dos cinco filhos de Adalva Olinda Xavier Rocha e Pedro Alves de Rocha. O pai morreu quando Arnaldo tinha 7 anos e a mãe, até então dona de casa, passou a costurar para sustentar a família. Arnaldo começou a trabalhar com dona Adalva aos 15 anos, numa pequena rua de Santa Cruz. Enquanto costurava roupas femininas, sonhava em fazer bermudas e camisetas semelhantes às que via nas revistas de surfe. Queria usá-las.

 

Naqueles anos 80, pensando no que seria seu principal nicho no futuro, Arnaldo, ainda adolescente, observava pela janela da pequena casa a feira da cidade. E dizia à mãe: “Precisamos começar a vender roupa em frente de casa. A feira vai chegar aqui em um ano”. Dona Adalva resistiu, mas depois montou o comércio em frente à residência. E a feira, de fato, chegou. Os negócios prosperaram e Arnaldo, com o apoio da mãe, começou a planejar seu voo solo. Até hoje, junto com os irmãos, reserva todas as terças para almoçar com aquela que é sua grande inspiração.

 

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“O senhor só pode ter fumado maconha estragada”, reagiu uma funcionária, usando uma expressão que nada tem de literal e serve, no popular, para rotular quem perdeu o senso da realidade. Arnaldo ouviu a frase quando juntou os empregados da pequena confecção e avisou que iria montar uma grande indústria para ser referência no Nordeste. Isso foi em dezembro de 1996 e ele, nos negócios e na vida, já contava com a esposa, Marta Ramos, com quem tem três filhas: Beatriz, 21 anos; Isabel, 16 e Alice, 13.

 

Hoje, Arnaldo e Marta produzem 1,5 milhão de peças por ano nas quatro fábricas que têm. As plantas se integram a cinco lojas, um das quais, resultado de um investimento de R$ 1,5 milhão – com 1.200 mil metros quadrados (m²), heliponto e hangar, onde fica estacionado um Robson 66 (2013) de 5 lugares. Além de ser um diferencial para a empresa, a aeronave é usada para Arnaldo fazer sua frequente ponte aérea de 40 minutos entre Santa Cruz e Recife sempre que bate saudade das filhas. O heliponto, por sua vez, dá competitividade à loja.

 

Além de clientes do Centro-Sul, vez por outra, aterrissa no local um surfista famoso ou um ator global contratado para fazer propagandas da Rota do Mar.

 

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No último dia 15, de calça jeans, camisa polo da própria empresa, tênis e um Apple Watch no pulso esquerdo, Arnaldo recebeu a equipe do Sistema Jornal do Commercio de Comunicação (SJCC). Educadamente, antes da entrevista, pediu alguns minutos para recepcionar empregados da empresa que tinham vindo de Brejo da Madre de Deus e Caruaru para visitar a matriz. Reuniram-se num auditório perto do escritório central e começaram a escutar atenciosamente as palavras do patrão. Pela porta entreaberta, observei as expressões de admiração e apurei os ouvidos. Num dado momento, Arnaldo percebeu e, com o pé direito, deu um pequeno empurrão na porta, fechando-a. Foi o momento em que ele, de mãos dadas, fez uma oração com todo o grupo.

 

Arnaldo é católico praticante e deixa sua religiosidade bem clara no princípio empresarial de sua empresa: “Colocar Deus acima de tudo”. Entre suas ações sociais, estão a construção de um clube poliesportivo de 5.500 m², onde professores pagos pela Rota do Mar mantêm escolinhas de futebol e outros esportes para estimular a criançada da cidade. No início dos anos 2000, quando soube que Manari, no Sertão do Moxotó, era o município mais pobre do Brasil, comprou terras na cidade, contratou agricultores locais e avisou que tudo que produzissem era integralmente deles.

 

Arnaldo gosta de passear pelas lojas, mas prefere mesmo é o chão da fábrica, que fica ao lado da megaloja. “Aqui me sinto bem. Conheço todos os caminhos da roupa, conheço todos os funcionários”, diz, explicando como atua a equipe de design, a de plotagem, a de corte. Ensina tudo com o didatismo de quem já passou por todas as etapas.

 

Caminhando por entre funcionários devidamente equipados com protetores de ouvido, Arnaldo brinca fazendo-lhes provocações inocentes porque sabe que não estão escutando. “Essa aqui é a mulher mais teimosa da fábrica”, aponta para a funcionária que, preocupada em interagir com o patrão, tira o equipamento e, curiosa, pede que ele repita. “É o quê, seu Naldo?” Arnaldo sorri como um menino e sai ligeiro. Quando passa em frente a uma moderna máquina francesa Lectra que comprou há seis anos por R$ 1 milhão, seus olhos se fixam deslumbrados no vai-e-vem das engrenagens.

 

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Poucas confecções do Brasil contam com o equipamento, que reduziu praticamente a zero as perdas durante o corte dos tecidos. A julgar pelos prêmios concedidos pelo Great Place to Work, instituição que pesquisa o grau de satisfação de funcionários no emprego, o pessoal gosta de trabalhar na Rota do Mar. “Outro dia, numa festa aqui em Santa Cruz, uma pessoa bem humilde me disse que o sonho dela era abraçar Naldo. Eu chamei ele, que deu um abraço na mulher. Ela não parava de chorar”, conta Áurea Xavier, irmã do empresário, membro do Rotary local e diretora do Moda Center. Diante de tanta popularidade, é de se pensar numa futura carreira política. Arnaldo nega veementemente o interesse, mas deixa escapar que, a pedido do ex-governador Eduardo Campos, filiou-se ao PSB.

 

O empresário é leve, bom de papo, tranquilo e de riso fácil. “Simplesmente gosto do que faço. Isso é minha vida”, comenta, meio tímido, desviando o olhar para o iPhone 6. “Você ainda surfa?”, pergunto. “Oxente, e então! Olha aqui”, responde abrindo uma foto no celular onde pega uma onda em Maracaípe. Mas o esporte preferido do empresário é mesmo o futebol. Além de praticar, incentiva. A Rota do Mar hoje é patrocinadora-master do Salgueiro. Há alguns anos, eram 27 clubes nordestinos recebendo dinheiro e estampando a marca da empresa.

 

rota_do_mar_-_foto_léo_caldas_-_crédito_obrigatório_(23)_2No escritório central, entre um suco de laranja e uma água mineral, Arnaldo conta seus planos. “Há oito anos, experimentamos o mercado externo, mas depois nos concentramos no Brasil, porque o mercado interno estava aquecido. Agora, com esta crise e com o dólar alto, vamos vender para outros países”, revela. Sobre o museu, mostra as máquinas antigas que mantém em sua sala, inclusive uma Rainha fabricada há 150 anos.

 

Ele pega uma das máquinas, empolga-se e, sorriso aberto, mostra o jeito certo de costurar. Logo se levanta, fala sobre o livro que marcará os 20 anos da empresa (escrito pelo jornalista pernambucano César Rocha) e mostra um mosaico de fotografias onde se vê famosos e desconhecidos, todos com algum produto da Rota do Mar. Entre eles, ex-jogadores como Zico, Maradona, políticos como Luiz Inácio Lula da Silva e uma funcionária chamada Fátima. Arnaldo aponta para ela e diz, quase gargalhando: “Foi esta que disse que eu tinha fumado maconha estragada”.

 

Fonte: JC ON Line.

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