Coligações: O dissenso do quase consenso

 

Nos sistemas proporcionais, os candidatos são eleitos em consonância com a proporção de votos obtidos pelos partidos, assegurando-se que os diversos grupos sociais ou políticos, inclusive as minorias, com suas ideias e interesses, possam estar representados no Parlamento na razão direta de sua importância numérico-eleitoral.

 

A tese das coligações se enquadra bem no contexto da filosofia da proporcionalidade: o pluralismo político.

 

Com efeito, a ideia que sustenta a celebração de alianças proporcionais é a de que os pequenos partidos, ou partidos de pouca expressão eleitoral, possam almejar ter, ou mesmo ampliar, sua representação parlamentar por meio da união com outras siglas com as quais guardam certa identidade programática, ensejando, inclusive, ações conjuntas nos Parlamentos.

 

Tais partidos, na prática, sem a junção com outras legendas e disputando isoladamente os pleitos proporcionais, teriam dificuldade em ultrapassar os quocientes eleitorais e, portanto, garantir cadeiras no Legislativo.

 

Infelizmente, a realidade eleitoral-partidária no Brasil, bem como certas impropriedades da legislação pertinente, desfigurou o modelo concebido originalmente pelo legislador. O mecanismo subsiste hoje eivado de graves defeitos.

 

A evidência empírica tem mostrado que as coligações:

 

(a) são episódico-eleitorais; (b) estimulam o mercado de aluguel de siglas; (c) contrariam a vontade do eleitor; (d) descaracterizam o voto de legenda; (d) não têm o atributo da proporcionalidade no seu interior; (e) podem eleger representantes de partidos que não ultrapassaram o quociente eleitoral; (f) podem não eleger representantes de partidos que ultrapassaram o quociente eleitoral e (g) contribuem para fragmentação e enfraquecimento dos partidos.

 

Não sem razão, pois, que os analistas da política e os próprios políticos são quase unânimes em apontar as coligações proporcionais como a maior deformação do sistema brasileiro de lista aberta.

 

Mesmo conscientes das distorções que as alianças acarretam, vários parlamentares – principalmente os que foram eleitos por agremiações médias e pequenas, muitos dos quais beneficiados pela atual sistemática eleitoral – defendem a manutenção pura e simples do mecanismo tal qual ele é praticado.

 

Por isso mesmo são remotas as chances de o dispositivo ser expurgado no bojo da reforma político-eleitoral em discussão, no contexto da atual correlação de forças no Congresso Nacional.

 

Claro que a extinção das coligações seria natural e imediata, na prática, se houvesse a concomitante troca do sistema eleitoral vigente para um modelo alternativo, tipo distritão ou distrital puro.

 

Mas a mudança do mecanismo atual para qualquer modelo distrital, ou para variantes de modelos tradicionais que ponham fim às coligações, mas tenham em seu bojo algum componente majoritário, exigem quórum qualificado de 308 votos, difícil de ser alcançado.

 

Então, tudo indica que a reforma política que se pretende levar a efeito na presente legislatura deverá restringir-se a alterações de tópicos mais fáceis de atingir maioria de votos e que requeiram apenas modificações infraconstitucionais (revisão do formato de financiamento de campanha, coincidência de eleições, novas regras para a propaganda eleitoral, fim da reeleição, janela para a fidelidade partidária, etc.).

 

Legislar sobre tais assuntos não deixa de ser um avanço, mas, restrito apenas a esta área tópica, o resultado final será frustrante ao não evoluir naquilo que é o core da reforma: o sistema de voto.

 

Será frustrante porque, a exemplo da legislatura passada, toda a energia terá sido gasta, mais uma vez, na ideia fixa de trocar de sistema – e de há muito já é sabido que nenhum modelo alternativo ao de lista aberta consegue maioria de votos no Congresso – quando o mais simples e racional seria buscar aprimorar o mecanismo em uso no Brasil.

 

E há enorme espaço para tal aprimoramento, inclusive o de, na hipótese provável de se ter que conviver com as coligações proporcionais, instituir mecanismos depuradores de grande parte de suas distorções.

 

Enfim, a reforma eleitoral, nunca é demais repetir, deve ser tratada como um processo, desdobrado em duas vertentes simultâneas. Uma, atuando sobre temas pontuais, alguns dos quais citados acima, e outra, deixando de lado a discussão sobre troca de sistema de voto e, ao invés, debruçando-se sobre o aperfeiçoamento do modelo atual.

 

As opiniões aqui expressas são de responsabilidade de seu idealizador.

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