16
agosto

Artigo – Por Maurício Romão


NA PRÁTICA, A TEORIA É OUTRA

 

Um surpreendente resultado nas eleições para deputado federal em São Paulo no ano passado reavivou as discussões sobre a Lei 13.165/15, no tocante ao trecho em que deu nova redação ao art. 108 do Código Eleitoral.

A nova redação do art. 108 institui cláusula de desempenho individual (CDI) como barreira à ascensão de candidatos de baixa votação ao Legislativo, facultando entrada somente àqueles com votação igual ou superior a 10% do quociente eleitoral (QE).

Na mencionada eleição o PSL, catapultado pela candidatura presidencial, obteve, isoladamente, 4.409.549 votos, diante de um QE de 301.488 votos. O quociente partidário resultante foi de 14,62595, o que credenciava a sigla a eleger, de saída, 14 deputados federais e ainda disputar sobras de votos com 0,62595 de uma vaga, concorrendo com 188.716 votos excedentes.

Pois bem, nesse pleito, no preenchimento das 70 vagas a que São Paulo tem direito, foram disputadas 11 vagas por sobras de votos e o PSL abocanharia 3 delas (o método das maiores médias de partição de sobras tende a favorecer as grandes votações), totalizando 17 vagas conquistadas.

Acontece que 7 candidatos desses 17 previamente “eleitos” tinham votação inferior a 10% do QE, abaixo, portanto, de 30.149 votos. Então, ao cabo do pleito, o PSL elegeu oficialmente apenas 10 parlamentares dos 17 a que teria direito não vigorasse a Lei 13.165.

A lei reza que as vagas não preenchidas por inobservância do requisito mínimo de votação serão redistribuídas para os partidos ou coligações que apresentem maiores médias e que simultaneamente tenham candidatos com votações superiores aos 10% do QE.

Isso equivale, na prática, a fixar o quociente partidário do PSL em 10 vagas e encetar novas rodadas de repartição de sobras. Na configuração resultante, as vagas disputadas por sobras passaram de 11 para 15 e as 7 vagas suprimidas do PSL foram para o DEM (2), PSB, PCdoB, PR, Podemos e SD.

A questão como um todo é controversa. De um lado, evitou-se que um conjunto de candidatos com baixas votações ascendessem ao Legislativo, em detrimento de outros com votações mais expressivas. Ainda assim, se pode argumentar que o sistema em uso no Brasil não é o majoritário (o da “verdade eleitoral”), e sim o proporcional, que valoriza a votação no partido ou na coligação, não a votação individual de seus integrantes.

De outro lado, a vontade soberana do eleitor foi violada: ele consignou seu voto nominal e de legenda ao partido PSL, expressando seu sentimento de que gostaria de eleger candidatos deste partido, não do DEM, não do PSB, não do PR, etc. A escolha do eleitor foi desconsiderada.

E o que dizer da intervenção na proporcionalidade? Caso o PSL houvesse elegido 17 deputados como sua votação indicava, haveria uma razoável proporcionalidade entre votos recebidos pelo partido (21%) e vagas conquistadas (24%), que é o princípio que norteia o sistema proporcional. Com a supressão de 7 vagas, a proporção restou alterada: tendo 21% dos votos o partido ficou com apenas 14% das vagas.

É possível imaginar vários exemplos, como este de São Paulo, em que a intervenção na proporcionalidade é danosa para o sistema. Como lembra o ministro Gilmar Mendes, realçando um caso in extremis, é concebível, com a instituição da CDI, que um

“partido ou coligação que tenha obtido mais votos não preencha sequer uma vaga, considerando que nenhum candidato obteve a referida cláusula (grande pulverização de votos entre os candidatos do partido ou da coligação ou número espetacular de votos de legenda)” [“Reforma eleitoral: perspectivas atuais”, 2017, p. 27].

A eleição paulista de 2018, todavia, sai do campo das hipóteses e adentra no mundo real: um só partido deixou de eleger 7 parlamentares em uma mesma eleição e em um mesmo estado. O impacto da medida, antes irrelevante nas simulações (comprovado pelo TSE em simulações para os pleitos de 2012 e 2014), pode, na verdade, se tornar expressivo no mundo real.

O fato é que o assunto já foi parar no STF, mesmo antes da eleição de São Paulo. Com efeito, em março do ano passado o PEN, atual Patriotas, tendo posteriormente o PSL como amicus curiae, ajuizou na Corte Máxima ação direta de inconstitucionalidade (ADI), com pedido de medida cautelar, em face do artigo 4º, da Lei 13.165/15 e da nova redação do art. 108, já referidos.

Na peça jurídica o Patriotas argumentava, resumidamente, que a exigência de votação mínima contida na norma estatuída afrontava a democracia representativa, a soberania popular e o mecanismo proporcional de eleição. A matéria está pendente de julgamento pelo Pleno do STF.

Enfim, os artigos 108 e 109 da lei em comento, não obstante já albergando correções promovidas pelo próprio TSE (Resolução nº 23.456, de 15 de dezembro de 2015), quando submetidos à prática eleitoral, mostram dubiedades, omissões e contradições. Sobejam afrontas à evidência empírica, conforme atestam vários exemplos*.

Existe, todavia, uma maneira simples de evitar todas as possíveis inconsistências da aplicação da lei e, também, danos colaterais aos fundamentos do modelo proporcional.

Da feita que o propósito que embasa a CDI é impedir que candidatos de votações olímpicas possam eventualmente ter assento no Parlamento, então, pela lógica, todas as votações que estejam abaixo do limite da CDI devem ser expurgadas ex ante do sistema, após o cálculo normal do QE, não deixando brechas para eventuais ocorrências que se pretendem evitar*.

Extraídas tais votações, tem-se como resultado um novo quantitativo de votos válidos e um novo QE, ambos mais baixos que os originais. A alocação de cadeiras, então, se fará regularmente consoante o quociente partidário e a distribuição de sobras pelo método D’Hondt das maiores médias.

A única diferença agora é a de que o conjunto dos votos válidos nesta fase é composto por votações individuais sempre maiores que o limite da CDI, tornando possível a aplicação da lei sem contestações. Problema resolvido.

 

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